TEMAS:
1. ‘Justificação por Graça e Fé’ versus
‘justificação pelo consumismo’
2. Como podemos conhecer a Deus?
3. Ser Igreja é uma oportunidade
privilegiada de participar...
4. Palavra e Sacramentos: os meios
da graça
5. Identidade Confessional Luterana:
mostrando a nossa cara!
6. Missão: um compromisso com o
testemunho do Evangelho
7. Ecumenismo: mantendo a unidade
na diversidade
8. Sacerdócio Geral de Todos os
Crentes: a vocação de todo cristão
9. Ministério: para servir e cuidar
10. REFERÊNCIAS
_________________________________________________
1. ‘Justificação por Graça e Fé’ versus
‘justificação pelo consumismo’
A verdade da justificação pela graça
misericordiosa de Deus em Jesus Cristo, abraçada na fé pela pessoa cristã, é a
mensagem central de toda a Escritura (Rm 1.17). Lutero redescobriu esta verdade
bíblica, a qual diz que Deus nos amou profundamente a ponto de nos enviar seu
filho unigênito, para dar a salvação e a vida eterna (Jo 3.16). Pela justificação, Deus nos acolheu para cuidar
de nós e para consolidar seu reino de justiça e paz (Rm 5.1ss).
Infelizmente, as pessoas pensam que a
doutrina da justificação é algo do passado e que está desatualizada. Em
contrapartida, os meios de comunicação nos induzem a acreditar que somente
seremos importantes e teremos valor se produzirmos, comprarmos ou consumirmos.
A mídia impressa, radiofônica e televisiva, cotidianamente, adentra em nossas
mentes com a propaganda do consumo desenfreado e com a ideologia da valorização
pela apropriação e obtenção de bens diversos. Conforme esta lógica, somente
serei gente e terei identidade ou valor (estarei justificado) caso produza,
compre ou consuma.
Através da globalização, essa forma de
pensar afeta a todos os seres humanos. Tanto as pessoas que vivem nas
metrópoles como as que residem em ambientes interioranos são influenciadas e
subjugadas por essa ideologia da justificação pelos bens de consumo. Não são
mais apenas as obras que nos dignificam e justificam: é preciso ter e consumir
para ser alguém na vida. Para ter identidade e dignidade, é necessário possuir
(as religiões pós-modernas falam em “apoderar-se”).
O exemplo acima ilustra a constante necessidade
de pregar sobre a doutrina bíblica da justificação por graça e fé. Ela sempre
será atual e relevante. Enquanto viver no tempo da esperança escatológica, a
igreja deve refletir e discernir corretamente acerca de como somos aceitos sem
distinção e de como somos dignificados verdadeiramente apenas por Deus.
Conforme a compreensão luterana de justificação,
compreendo e creio que somos aceitos, amados, cuidados e valorizados por Deus
sem a necessidade de esforço pessoal ou de qualquer outro esforço humano para
alcançar essa dádiva. O mundo, a vida diária, o comércio, o mercado de trabalho
e tantas outras esferas sociais teimam em dizer o contrário, ou seja, que só
seremos “alguma coisa” por intermédio da força própria ou mediante a obtenção
de recursos diversos. Por sua vez, a Bíblia proclama que somente Deus, pela
obra redentora de Cristo, pode nos dar a dignidade devida para viver de forma
plena e saudável. Isto tudo vem a nós por graça, através da fé (Mt 20. 1-16).
Não são nossas ações, bens de consumo ou conquistas pessoais que nos fazem
viver dignamente. É Deus, através de Jesus Cristo, que nos resgata para uma
nova vida (Lc 15. 11-24).
A justificação por graça e fé é o ato
primeiro de cuidado que Deus tem por nós. Deus nos ama e cuida de nós. Esta
verdade é testemunhada em toda a Escritura. Em Romanos 3.23-25a o apóstolo
Paulo narra que todos nós pecamos e carecemos do cuidado e do amor de Deus.[1]
Nós somos justificados, isto é, tornados dignos, única e exclusivamente pela
obra amorosa de Deus em Jesus Cristo. Ele nos torna justos e santos, mesmo que
ainda estejamos envoltos por uma realidade ímpia e pecadora, que continua
exercendo influência sobre nós (Rm 7. 17-20; 1Jo 1.8).[2]
Nós, como IECLB, devemos sempre reafirmar
e reinterpretar a doutrina da justificação por graça e fé. De acordo com Lutero
e sua teologia da cruz, a correta compreensão da justificação é um critério
indispensável para o ‘ser’ e ‘agir’ da igreja. Sem esta compreensão, perdemos o
rumo e caminhamos por nossas próprias obras e ações. Sem ela nos distanciamos
do cuidado e do amor de Deus por nós. Este amor nos vocaciona e incumbe para
servir a Deus no mundo com boas obras, em resposta de gratidão à sua ação
primeira.
2. Como podemos conhecer a Deus?
Todos nós, em algum momento de nossa
vida, nos perguntamos: “quem é Deus?” Antes de perguntar quem é Deus, devemos
reconhecer o que Ele fez por nós. Ao reconhecermos nossa situação de pecadores
justificados por Deus, então podemos falar sobre Deus. Não o conhecemos
simplesmente através de sua essência, mas primordialmente através de sua obra
em nosso favor.
Martim
Lutero, em sua reflexão bíblica, redescobriu que Deus se revela a nós (se dá a conhecer) mediante a cruz de
Cristo. Deus não quer ser reconhecido unicamente por intermédio de sua natureza
ou atributos divinos e gloriosos. Ele se mostra, preferencialmente, em sua obra
por nós, na cruz e no sofrimento de Cristo. Se queremos conhecer e saber quem é
Deus, então devemos olhar para a cruz de Cristo e para tudo o que Ele fez em
nosso favor (1Co 1. 18-25).
A partir da justificação, pelo batismo,
na morte e ressurreição de Cristo, podemos acertadamente saber quem é Deus,
pois Ele se revelou total e completamente a nós (Jo 17.7, 25-26). Mesmo que não
consigamos captar a revelação total de Deus, por conta de nossas debilidades,[3]
ainda assim conhecemos Deus e o conheceremos plenamente no Reino vindouro (1Co
13. 9-10). Por esta razão podemos confessar que “[...] há uma só essência divina, que é chamada Deus e verdadeiramente
é Deus. E, todavia há três pessoas nesta única essência divina, igualmente
poderosas, igualmente eternas, Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo [...]”.[4]
Cremos no Deus-Triúno que 1) criou a nossa vida, 2) salvou-a
do pecado e da morte e 3) continua revigorando esta nova vida em bondade e amor:
1)
Deus se revelou a nós como Deus-Pai, o Criador,
que “[...] cria a nós, o universo e tudo
o que nele existe; cremos que somos sua propriedade.”[5] Ele
nos capacitou para viver em harmonia com as outras criaturas (Gn 1; Sl 8). Diariamente
Ele nos concede o necessário para viver de forma digna e fraterna. Mesmo sem
merecermos Ele nos protege e nos ampara, pois é Deus misericordioso. Pela
dádiva do Batismo, a cada novo dia, devemos ser gratos a Deus pela vida que Ele
nos deu.[6]
2)
Deus se revelou a nós como Deus-Filho, o
Salvador, que “[...] nos salva por
Jesus Cristo. Pelo seu poder ele nos liberta do campo de força do pecado.”[7] (Rm 5.12-21). Pela
ação salvadora de Jesus Cristo na cruz, não sou mais escravo do pecado e da
maldade. Não preciso mais justificar-me diante de Deus através de obras ou
méritos próprios. Ele mesmo tornou-me justo, me deu a salvação e a vida eterna,
por meio de seu sangue e sua inocente paixão e morte. Através de Cristo,
podemos saber que estamos inseridos na ressurreição e na vida eterna por graça,
através da fé. Isto é obra de Deus em Jesus Cristo.[8]
3)
Deus se revelou a nós como Deus-Espírito
Santo, o Santificador, que “[...] nos
faz renascer para uma nova vida e nos torna seus discípulos e suas discípulas.”[9] (At 1.8). Através da ação do Espírito
Santo, somos chamados para viver a fé em amor, com responsabilidade. Ele nos
concede dons e habilidades que devem ser utilizados na proclamação do reinado
de Deus. O Espírito nos chama, reúne, ilumina e santifica, para darmos
testemunho da boa nova do Evangelho.[10] A
partir de sua ação surge a igreja.
A este Trino Deus, que é, ao mesmo tempo,
Pai e Filho e Espírito Santo, devemos
ser gratos por toda a nossa vida, com louvor, honra e adoração (Ap 4.11; Hb 13.
7-8; Fp 2. 10-11).
3. Ser Igreja é uma oportunidade
privilegiada de participar...
Devemos ser gratos a Deus. Devemos honrar
e louvar seu santo nome por intermédio de uma vida orientada por sua Palavra.
Por isso, através do Espírito Santo, Ele nos chama e nos reúne para sermos
Igreja de Jesus Cristo.
Conforme podemos ler em Atos 2. 1-4, em
Pentecostes os seguidores de Jesus Cristo estavam todos reunidos em uma casa,
mas escondidos, com medo e trancafiados. Desde o momento em que o Espírito
Santo de Deus age sobre eles, então não ficam mais escondidos, trancafiados e
com medo. Pelo contrário, recebem força e ânimo do próprio Deus para dar
testemunho da salvação que Deus nos concedeu em Cristo.
A partir do testemunho apostólico,
percebemos que igreja somos todos
nós, pessoas chamadas para ser família (Gl 6.10; Ef 2.9) e povo (1Pe 2. 9) de
Deus no mundo. E, acima de tudo, somos integrantes do corpo de Cristo. Estamos unidos num mesmo corpo, num mesmo
organismo (1Co 12.12-20). Cada um de nós, individualmente, é chamado no batismo,
para pertencer a este corpo, a esta igreja. Todos nós temos dons e habilidades,
presenteados pelo próprio Deus, que devemos colocar a serviço do Evangelho.
Baseados neste testemunho bíblico, como
herdeiros da Reforma, afirmamos que “[...]
a igreja cristã, propriamente falando, outra coisa não é senão a congregação de
todos os crentes e santos [...]”[11].
E, a verdadeira igreja existe onde, entre as pessoas crentes, congregadas e
reunidas pela ação do próprio Deus, “[...]
o evangelho é pregado puramente e os santos sacramentos são administrados de
acordo com o evangelho.”[12]
Martim
Lutero expressa que a Igreja (ekklesía), reunida e motivada pela ação do
Espírito Santo, é “creatura evangelii”. É o próprio Evangelho que dá
sustentação ao ‘ser’ e ‘agir’ da igreja. Não podemos dizer que Jesus é o
fundador da igreja, não obstante Ele é o seu “fundamento” (1Co 3.11).
Precisamos ainda diferenciar entre igreja
visível e invisível. Igreja visível são as expressões da única e exclusiva
Igreja de Jesus Cristo, a saber, a igreja invisível. As instituições e
associações religiosas não podem arrogar a si mesmas o direito exclusivo do “ser
igreja”. Isto significaria abandonar a prerrogativa de testemunha, discípula e
seguidora de Cristo. Por isso mesmo, a IECLB, dentro do espírito ecumênico da
missão de Deus, entende-se como testemunha
da única igreja real. A IECLB[13] é
uma expressão visível da Igreja de Jesus Cristo.
Como Igreja, entendemos que somos
chamados pelo Espírito Santo para dar testemunho da verdade do Evangelho. Somos
instrumentos de Deus para proclamar a salvação que nos foi concedida. E, respondemos
ao chamado de ser igreja por crermos
firmemente que, nesta comunhão, temos a oportunidade privilegiada de participar
da missão de Deus.
4. Palavra e Sacramentos: os meios
da graça
Em Rm 10.17 o apóstolo Paulo escreveu que
“a fé vem pela pregação, e a pregação,
pela palavra de Cristo”. Entendemos que, como Igreja, somos congregados em
torno de um centro comum de culto, pregação e celebração dos sacramentos, que
nos dão testemunho da obra salvadora de Cristo em nosso favor.
A
pregação da Palavra de Deus - do Evangelho - tal como os sacramentos, é meio
com o qual a graça nos atinge (1Co 1.22b). Da correta pregação do Evangelho
depende o bom andamento e a boa condução da igreja. Igreja verdadeira é aquela
que prega e dá testemunho da salvação exclusivamente pela graça de Deus na fé. A
Palavra de Deus é corretamente pregada e vivida quando sabemos discernir entre Lei
e Evangelho, juízo e graça. Conforme Lutero, toda a interpretação da Escritura
depende desta correta análise e discernimento.
Os
sacramentos são os meios visíveis que Deus usa para nos alcançar com sua
graça e seu amor incondicional. O Sacramento pressupõe a coexistência de três
elementos: 1) uma ordem clara de
Deus, fundamentada nas palavras de Jesus (Mt 28.19; Mt 26. 26-28), 2) uma promessa de graça (presente) de
Deus recebida na fé (Mc 16.16; Mt 26.28) e 3)
um sinal visível (At 8.36, Mt 26.26-28). A partir do testemunho das Escrituras,
reconhecemos dois sacramentos, a saber, o Batismo
e a Ceia do Senhor.
O
Batismo, que é a Palavra de Deus unida ao elemento visível da água, nos
fala da promessa de recebimento da graça salvadora em Jesus Cristo. Está
fundamentado em Mt 28. 18-20. Por meio do batismo, em nome do Trino Deus, somos
chamados a uma nova vida, na qual Deus nos torna seus filhos e suas filhas. Somos
inseridos na vida, morte e ressurreição de Cristo por nós (Rm 6. 3-4). Somos
marcados por sua cruz. Batismo não é ponto de chegada (fui batizado). É ponto de partida que se perpetua num processo
diário de arrependimento e vida nova (sou
batizado). Como rito, acontece somente uma vez (Ef 4.5), mas deve ser
rememorado na fé a cada novo amanhecer. O batismo nos dignifica e vocaciona para
o serviço do Evangelho.
A
Ceia do Senhor, fundamentada nos relatos dos evangelhos[14] e
em 1 Co 11. 23-26, é a celebração da comunhão mais íntima possível com Deus e
com as pessoas irmãs na comunidade. Através da Ceia do Senhor podemos receber,
verdadeiramente, ao próprio Cristo ‘com’, ‘em’ e ‘sob’ os elementos do pão e do
fruto da videira. Ela nos faz recordar que Jesus Cristo morreu e ressuscitou em
nosso favor e voltará no final dos tempos para completar a edificação de seu
reino eterno e justo. Assim, através da comunhão de mesa, estamos sentindo um
antegozo do banquete eterno, preparado para todos os filhos e filhas de Deus. Ao
celebrarmos a Ceia do Senhor, somos alimentados pelo próprio Cristo. Ele nos
concede perdão dos pecados, nova vida e salvação. Confiamos plenamente nessa
promessa divina e buscamos estender a comunhão da Ceia do Senhor para as demais
mesas nas quais nos sentamos, onde também sentam pessoas que carecem de
comunhão e amor[15] (Mt 25. 35-36).
5. Identidade Confessional Luterana:
mostrando a nossa cara!
Nós, da IECLB, juntamente com outras
Igrejas Cristãs, somos herdeiras da Reforma do século XVI, iniciada por Martim
Lutero. Entendemos que somos “Igreja de
Jesus Cristo: universal, una, santa e apostólica.”[16] Confessamos
nossa fé no Trino Deus e nos baseamos exclusivamente na Bíblia como norma
básica e indissolúvel da igreja. Reafirmamos as confissões dos três símbolos ecumênicos
(Apostólico, Niceno e Atanasiano) e adotamos, como referenciais de
interpretação das Escrituras, a ‘Confissão de Augsburgo’ inalterada e o ‘Catecismo
Menor’ de Martim Lutero.
Nossa compreensão teológica baseia-se na
teologia da cruz de Martim Lutero, que nos auxilia a interpretar a obra
salvadora de Cristo em nosso favor. Na teologia da cruz somos confrontados com
nossa realidade vivencial e motivados a reconhecer que Deus é Deus. “Devemos temer e amar a Deus e confiar nele
acima de tudo”,[17]
como está escrito na interpretação que Lutero faz do primeiro mandamento.
A confessionalidade luterana afirma a
exclusividade dialética de quatro pilares fundamentais para entender a obra
salvadora de Deus (sola gratia, sola
fide, sola scriptura e solus Christus): 1) somos salvos somente pela GRAÇA de Deus em nosso favor; 2) A salvação é recebida e apreendida
somente na FÉ, que é dada e presenteada por Deus mesmo, sem ser, portanto, obra
humana; 3) somente a ESCRITURA é o
meio cognitivo que nos faz conhecer e entender o conteúdo desta salvação; e 4) Somente CRISTO é o conteúdo e o
mediador da salvação. Estes quatro princípios são exclusivos e absolutos e,
paradoxalmente, se interrelacionam num processo de simultaneidade.
A partir destas bases, nos organizamos
como Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil: a) Somos Igreja Evangélica
porque temos na Escritura o testemunho da obra de Cristo em nosso favor; b) Somos de Confissão Luterana
porque somos herdeiros de uma caminhada como igreja, que nos une a tantas
outras igrejas irmãs na fé; c) Somos
Igreja no Brasil, porque o Evangelho
é contextual e deve ser refletido à luz da realidade. Este Evangelho que salva e
concede vida nova nos impele a dar testemunho em nosso contexto.
Ter identidade confessional luterana é
mais do que simplesmente dizer ou repetir determinadas ordens ou doutrinas. Nós temos uma cara! Temos um jeito de
viver a fé a partir da redescoberta do Evangelho. Na IECLB, essa cara tem uma estrutura
sinodal, celebrações que nos caracterizam, templos que contam histórias; hinos,
orações e outros tantos elementos que expressam nossa forma de ser luteranos e
que devem ser respeitados. Mas, o fundamental não está nisto. O fundamental é a
proclamação do Evangelho da boa-nova da salvação em Cristo. Esta é nossa
verdadeira cara!
6. Missão: um compromisso com o
testemunho do Evangelho
A partir de Mt 28.18-20, reconhecemos que
a missão é de Deus (Missio Dei). Ele,
através de Jesus Cristo, nos insere em seu projeto missionário que consiste em
proclamar, a todos os povos, a boa nova da salvação (Mc 13.10). Ser igreja de
Jesus Cristo, necessariamente, é ser igreja missionária. Se abandonarmos essa
diretriz, logo não somos igreja, pois negligenciamos um mandato do ‘ser igreja’.[18]
Atualmente a IECLB está diante de uma
realidade desafiadora. Precisamos manter nossas bases teológicas, afirmando a
doutrina da justificação por graça e fé diante de um mundo extremamente
individualista, egocêntrico e consumista. Precisamos participar da missão de
Deus, sendo uma Igreja que cuida e zela pela fé verdadeira, pela justiça e pela
vivência real e fraterna do Evangelho.
Em anos anteriores falávamos em “criar e
recriar comunidades”. Na atualidade, reafirmamos este compromisso e nos
preocupamos com a continuidade da igreja através da Evangelização, da Comunhão,
do Serviço (Diaconia) e da Liturgia, que são eixos para nosso agir missionário.
Sabemos que a missão é, simultaneamente, ação interna e externa. Através da
missão damos testemunho de nossa nova realidade em Cristo (Mt 5. 13-16).
Como Igreja, inserida em contextos
específicos, temos que participar da missão, sabendo reconhecer nosso espaço e
sabendo inserir-nos de modo incisivo no processo de transformação da sociedade,
pela promoção do Evangelho. De todos os modos, necessitamos entender nossa
tarefa missionária dentro de um contexto ecumênico.[19]
7. Ecumenismo: mantendo a unidade
na diversidade
A IECLB, como Igreja constituída,
participa da ecumene, que nos “vincula em
fé e ação com todas as igrejas do mundo que confessam Jesus Cristo como Senhor
e Salvador.”[20] Nossa postura ecumênica
se baseia no testemunho das Escrituras. Em Jo 17. 20-23 o próprio Jesus Cristo
pede em favor da unidade. Ele roga ao pai que todos sejam um e que vivam em
unidade. O apóstolo Paulo, escrevendo à comunidade de Corinto, pede que não
haja divisões no corpo de Cristo. Ele intercede para que todos cooperem uns com
os outros, se cuidem mutuamente e mantenham a unidade (1Co 12.25-27).
A partir do testemunho bíblico, compreendo
que ser ecumênico não é opção. É algo inerente à vida da Igreja que se entende
como expressão da igreja invisível. No ecumenismo devemos afirmar nossa
identidade, superar as divergências e praticar o diálogo mútuo e fraterno. Ser
ecumênico é manter a dádiva da unidade na beleza da diversidade.
8. Sacerdócio Geral de Todos os
Crentes: a vocação de todo cristão
A
partir do testemunho de 1Pe 2.9ss (e outros, como Ap 1.6; 5.10), Lutero
acentuou que desde o batismo todo cristão é sacerdote e somente Cristo é nosso
Sumo-Sacerdote (Hb 4.14), pelo qual temos acesso a Deus, o Pai. Lutero enfatizou
que através do Sacerdócio Geral cumprimos com um serviço de gratidão a Deus, a
saber, o de amar ao nosso próximo. Por isso ele medita nas Escrituras e conclui
que devemos mutuamente ser como “um Cristo para o próximo”. No batismo, homem e
mulher recebem o privilégio (a dignidade) e a tarefa (o compromisso) de
divulgar o Evangelho em atos e palavras. Devemos proclamar o Evangelho com
nosso tempo, dons, talentos e bens.[21]
Nesta compreensão do batismo como vocação
para o Sacerdócio Geral, compreendemos que na comunidade deve haver uma
participação ativa de todos os seus membros. Todos devem dar testemunho do
Evangelho em todos os ambientes nos quais estão inseridos (lar, trabalho,
escola, lazer, etc.).
No
Sacerdócio Geral, todos compartilham dos mesmos direitos e deveres. Por isso,
não é legítimo alegar que haja uma diferença hierárquica entre ministros
especializados (ordenados) e leigos. Isso não é postura luterana. Ainda assim cabe
afirmar que o Sacerdócio Geral não é um Ministério. É um serviço espontâneo da
pessoa cristã na comunidade, como resposta à graça misericordiosa de Deus.
9. Ministério: para servir e cuidar
Mesmo que exista o Sacerdócio Geral (o
serviço espontâneo), a igreja precisa se organizar e definir a sua atuação
através do Ministério (serviço estruturado). Estas duas esferas – Sacerdócio
Geral e Ministério – não estão em conflito ou competição entre si. Antes, o
segundo está em função do primeiro. A tarefa do Ministério é auxiliar ao
Sacerdócio Geral, recordando-o da verdade do Evangelho, para que todos possam
fielmente cumprir com o mandamento do amor que lhes foi confiado.
No Novo Testamento, não encontramos um
termo que possa equivaler-se à palavra Ministério. O NT sempre vai falar de
“serviço” (Rm 12.7; 2Co 3.8-9; 9.12). Ao lado do “serviço espontâneo”,
encontra-se o “serviço estruturado” que a comunidade incumbe e delega, através
de funções específicas (Gl 1.1; At 11.30, Fp 1.1 e outros.)
A Confissão de Augsburgo, no Art.5º, fala
deste “serviço”, chamando-o de Ministério Eclesiástico: “para conseguirmos esta fé, instituiu Deus o ofício da pregação,
dando-nos o evangelho e os sacramentos, pelos quais, como por meios, dá o
Espírito Santo, que opera a fé [...]”.[22] Isto
mostra que o Ministério é de Deus. Ele é um serviço que foi confiado à
comunidade. Por isto é que a comunidade pode escolher pessoas que a auxiliem nesta
tarefa.
A rigor, há um só Ministério. Mas, isto
não impede que ele seja desdobrado em várias ênfases, funções, cargos e
serviços, de acordo com a necessidade do contexto (1Co 12. 4-6), seja ele local
ou geral. Na IECLB entendemos isto a partir do “Ministério Compartilhado”. Por
isso, de acordo com o Ministério Compartilhado, temos o Ministério com
Ordenação desdobrado em quatro ênfases: o pastoral, o diaconal, o catequético e
o missionário.
Todas estas quatro ênfases do único Ministério
Eclesiástico têm funções e atribuições específicas. Todas trabalham em diálogo
entre si e com as demais pessoas colaboradoras e líderes da comunidade,
fomentando a formação e a educação cristã continuada. Essas ênfases devem
trabalhar em equipe. A função do Ministério Compartilhado é dar testemunho do
Evangelho.
A igreja tem a tarefa de zelar pela pura
e correta pregação do Evangelho e pela administração dos sacramentos. Por isso
ela chama, capacita e envia pessoas que irão, legitimamente,[23]
servir ao Evangelho através do Ministério com Ordenação.
REFERÊNCIAS
[1] Confissão de
Augsburgo. In.: Livro de Concórdia:
as Confissões da Igreja Evangélica Luterana. 6ª. ed. São Leopoldo: Sinodal;
Porto Alegre: Concórdia, 2006. P. 30.
[2] Simultaneamente
justos e pecadores.
[3] ‘Deus revelatus’ e
‘Deus absconditus’.
[4] Confissão de
Augsburgo, 2006. P. 27.
[5] IGREJA EVANGÉLICA DE
CONFISSÃO LUTERANA NO BRASIL. Nossa Fé –
Nossa Vida: guia da vida comunitária na IECLB. 5ª ed. São Leopoldo:
Sinodal, 2007. p. 5.
[6] LUTERO, Martim.
Catecismo Menor. 13ª ed. São
Leopoldo: Sinodal, 2008. p. 10.
[7] Nossa Fé – Nossa
Vida, 2007. p. 5.
[8] LUTERO, 2008. p. 11.
[9] Nossa Fé – Nossa
Vida, 2007. p. 5.
[10] LUTERO, 2008. p. 11.
[11] Confissão de
Augsburgo, 2006. P. 32.
[12] Confissão de
Augsburgo, 2006. P. 31.
[13] A IECLB“é
o convívio de pessoas por ela batizadas ou admitidas, diferentes umas das
outras, todas elas, no entanto, chamadas para viver seu Batismo.” Nossa
Fé – Nossa Vida, 2007. p. 5.
[14] Mt 26. 26-30; Mc 14.
22-26 e Lc 22. 14-20.
[15] A palavra AMOR
(ágape), muitas das vezes entendida como ‘solidariedade’, em nossa visão de
igreja, quer ser ressignificada pela palavra CUIDADO para melhor expressar nosso compromisso fraterno da Ceia do
Senhor.
[16] Nossa Fé – Nossa
Vida, 2007. p. 6.
[17] LUTERO, 2008. p. 5.
[18] Confissão de
Augsburgo, 2006. P. 31: “[...] igreja
cristã, que é a congregação de todos os crentes, entre os quais o evangelho é
pregado puramente [...]”.
[19] Nossa Fé – Nossa
Vida, 2007. p. 4.
[20] Nossa Fé – Nossa
Vida, 2007. p. 6.
[21] Nossa Fé – Nossa
Vida, 2007. p. 30.
[22] Confissão de
Augsburgo, 2006. p.
30.
[23] Confissão de
Augsburgo, 2006. p.
34.